segunda-feira, 23 de março de 2015

SINTÉTICA HISTÓRIA DA HERMENÊUTICA NA IGREJA CRISTÃ




Este estudo começou já nos primórdios do cristianismo como nos comprovam os documentos existentes.

Para facilidade didática, estudiosos da hermenêutica costumam dividir este estudo em cinco fases, como o faz Louis Berkohof no livro: Princípios de Interpretação Bíblica.

I – Fase Patrística

Os principais representantes deste período foram: Clemente de Alexandria e seu mais notável discípulo, Orígenes. Ambos defendiam o sentido literal da Bíblia, mas criam que uma interpretação alegórica era muito útil para um conhecimento real.

A escola destes dois vultos preeminentes teve como sede Alexandria, por isso sofreu a decisiva influência da filosofia grega e do gnosticismo.

Outra figura que não pode ser olvidada pela pujança do seu talento exegético, mas sobretudo pelos seus dotes de orador foi João Crisóstomo (boca de ouro). Crisóstomo, que pertenceu à Escola de Antioquia, sustentou denodadamente que a Bíblia é a infalível Palavra de Deus. Defendeu uma exegese científica, para isto pesquisando bem o sentido original do vocábulo. Rejeitou terminantemente o processo alegórico de interpretação, fixando-se no sentido literal da Bíblia.

Merecem uma rápida menção no período patrístico: Hilário, Ambrósio, Jerônimo e Agostinho. A característica fundamental da exegese dos quatro nomes citados, se encontra no acréscimo de um elemento novo, não considerado nas escolas de Alexandria e da Síria, isto é, a autoridade da tradição e da Igreja na interpretação da Bíblia.

Nenhum dos quatro foi grande exegeta no sentido completo do termo. Jerônimo, sua maior fama lhe vem da tradução da Vulgata, pois no campo da exegese, limitou-se a notas linguísticas, históricas e arqueológicas. Agostinho, conhecido na teologia católica como o sistematizador de verdades bíblicas, apresentou boas regras hermenêuticas na obra De Doctrina Christiana, mas não soube comprová-las na prática. Quando o sentido bíblico era dúbio ele se valeu da autoridade da Igreja na conhecida expressão – regula fidei. Sua influência se projeta na exegese da Idade Média.

II – Período da Idade Média

A frase que melhor caracterizaria a exegese deste tempo seria esta: A profunda ignorância da Bíblia fez com que a hermenêutica estivesse de mãos e pés amarrados pela tradição e autoridade da Igreja dominante. Os dois nomes mais significativos seriam os de Pedro Lombardo com os seus livros das Sentenças e Tomás de Aquino com nove comentários bíblicos aos quatro livros das sentenças de Pedro Lombardo e a sua obra mais destacada – A Súmula Teológica.

III – Período da Reforma

Primeira característica. Os intérpretes da Bíblia tinham necessidade de estudá-la nas línguas originais. Contribuíram para este incentivo os dois grandes humanistas – Reuchlin e Erasmo.

Característica fundamental. A mais alta autoridade na interpretação da Bíblia é a própria Bíblia. Opuseram-se tenazmente à infalibilidade da Igreja, defendendo a infalibilidade da Palavra. Seu roteiro foi este: Não é a Igreja que determina o que as Escrituras ensinam, mas as Escrituras que determinam o que a Igreja deve ensinar.

A exegese da reforma está baseada nestas duas premissas:

1ª.) A Escritura é a intérprete da própria Escritura.

2ª.) Toda a compreensão bíblica deve estar de acordo com a analogia da fé.

Pela ordem decrescente de valor, como exegetas, destacam-se:

a) Calvino – o maior exegeta da reforma. Condenou o método alegórico como uma arma de Satanás.

De suas múltiplas ideias na explicação bíblica avultam.

1ª) os profetas deviam ser interpretados à luz das circunstâncias históricas.

2º) O primeiro dever de um intérprete é permitir que o autor diga o que realmente diz, ao invés de lhe atribuir o que pensamos que devia dizer.

b) Melanchton. Sua notável cultura e profundo conhecimento do grego e do hebraico capacitaram-no a tornar-se um exímio intérprete.

Seus trabalhos exegéticos foram pautados pelos princípios de que as Escrituras devem ser entendidas gramaticalmente antes de o serem teologicamente e ainda que há nas Escrituras apenas um simples e determinado sentido.

c) Lutero. Suas regras hermenêuticas foram bem melhores do que sua comprovação na prática.

Seus fundamentais conceitos são conhecidos os seguintes:

1º) Cristo é encontrado em toda a parte na Bíblia.

2º) O intérprete deve possuir intuição espiritual e fé.

3º) Enfatizou a necessidade de se considerar o contexto e as circunstâncias históricas.

Os intérpretes católicos quase nada fizeram no campo da explicação bíblica, no período da Reforma, porque se opunham tenazmente ao direito do juízo individual e por defenderem, ardorosamente, que a Bíblia devia ser interpretada de acordo com a tradição.  

IV – O Período do Confessionalismo

Foi assim denominado por se deixarem escravizar pelos Confessionais da Igreja. Surgiram acérrimas controvérsias entre os grupos emersos da Reforma, todos apelando para as Escrituras na busca de textos – provas para confirmação de suas idéias.

A exegese envereda por um caminho perigoso porque os estudiosos valorizaram muito suas próprias idéias em vez de se deixarem guiar pela simplicidade dos ensinos divinos.

Merecem ligeira menção os seguintes movimentos:

1º) Os Socinianos

Suas crenças hermenêuticas poderiam ser apresentadas nesta síntese:

A Bíblia deve ser interpretada racionalmente, isto é, em harmonia com a razão. Diante desta afirmativa é fácil concluir que doutrinas fundamentais do Cristianismo, como a Trindade e as duas naturezas de Cristo foram abandonadas.

2º) As idéias defendidas por Coccejus

Coccejus foi um notável teólogo holandês que se opôs duramente ao uso da Bíblia como textos – provas para defesa de opiniões pessoais. Conclamou os intérpretes a usarem a Bíblia como um todo harmonioso e também a explicarem cada passagem à luz do seu contexto.

3º) Os pietistas. Como o próprio nome indica estes foram os defensores uma vida verdadeiramente piedosa.

Opuseram-se ao estudo teórico das Escrituras, que não traz nenhum benefício, defendendo o estudo porismático (aquele que é útil para repreensão) e o prático (com muita oração e tristeza pela nossa condição desvalida perante Deus).

Introduziram um elemento novo, chamado de interpretação psicológica, segundo o qual o intérprete deveria estar em harmonia com o autor bíblico para compreendê-lo melhor.  

V – O Período Histórico-Crítico  

Não há necessidade de nos demorarmos nesta fase quando sabemos que ela se caracterizou por defender princípios interpretativos não aceitos pelos estudiosos conservadores.

Basta citar estas afirmações capitaneadas por seus mais notáveis poderes.

1º) A negação da infalibilidade das Escrituras.

2º) Discordavam da inspiração divina, crendo que os escritores bíblicos foram inspirados somente no sentido de terem capacitação natural, como a tiveram Homero e Camões na elaboração de suas obras,

3º) A interpretação bíblica deve ser feita como a de qualquer outro livro. A conseqüência mais significativa destas opiniões foi surgimento da interpretação gramático-histórica da Bíblia.

a) A Escola Gramatical

Ernesti, o iniciador da Escola, apresentou em notável trabalho os princípios que deveriam nortear os intérpretes da Bíblia.

O fato mais destacado seria a valorização das palavras do texto como a verdadeira fonte de interpretação da verdade religiosa.

b) A Escola Histórica

O vulto mais preeminente desta corrente interpretativa foi Semler. Para ele os livros da Bíblia se originaram de modo histórico e historicamente devem ser interpretados.

As tendências resultantes destas escolas antagônicas foram muito trágicas para a hermenêutica e a exegese, pelo surgimento do Racionalismo na explicação dos fatos bíblicos.

A principal conseqüência foi a afirmativa de que há muitos erros no texto sagrado. Apesar destas declarações corrosivas dos críticos, não devemos dobrar os joelhos diante da falsa ciência dos que se arrogam o direito de criticar a inspirada palavra de Deus.

Muito poderia ser dito sobre os resultados em nossos dias desta exegese. Um destes é o caráter mitológico do Novo Testamento defendido com todo o ardor pelo teólogo Bultmann.

Cremos ser melhor não prosseguir com os aspectos negativos na explicação da Palavra de Deus. Quero apenas concluir com as declarações de Paul M. Schelp, encontradas no prefácio do livro Dificuldades Bíblicas de M. Arndt:

"Na Bíblia não consta qualquer erro, qualquer contradição. Afirmamos isso, porque toda a Escritura foi inspirada por Deus (II Tim. 3:16). O Espírito Santo falou por intermédio dos santos escritores (Mat. 4:14; At. 4:25 e outros). A Escritura não pode falhar numa única palavra (João 10:35), nem no singular nem no plural dum substantivo (Gál. 3:16).

"Contradições aparentes podem ser resolvidas por exegese sadia, e sendo, ao nosso ver, impossível a harmonização de certas passagens, o crente terá paciência e esperará tranqüilamente a sua transferência para as mansões celestiais, onde tudo lhe será claríssimo como a luz meridiana".  

NOTA: A fonte mais significativa para a elaboração deste ponto foi Princípios de Interpretação Bíblica de Louis Berkhof, editado pela Casa Publicadora Batista.

Sou Grato ao  Professor Pedro Apolinário pelo brilhante trabalho
Pr. Cirilo Gonçalves
Evangelista da IASD - AP, SP.
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